segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O SUMIÇO DAS ABELHAS



SUSTENTABILIDADE
Pesquisadores do mundo todo afirmam que esses insetos estão em extinção. Com eles, somem de nossa mesa alimentos importantes
Por Tiago Cordeiro

Sem as abelhas, o homem pode desaparecer em quatro anos”. A frase é atribuída ao cientista Albert Einstein (1879-1955). Não tem nada de exagero e ainda pode se revelar profética. Nos últimos três anos, começaram a surgir ao redor do mundo indícios de que várias espécies desse inseto podem estar desaparecendo. As consequências seriam catastróficas para o ecossistema e para nossa alimentação.

O primeiro alerta surgiu em 2007. Naquele ano, os Estados Unidos perderam 60% de suas abelhas, que simplesmente desapareceram em 24 estados. O fenômeno se repetiu no Canadá, na França, na Inglaterra, na Suíça, na Alemanha, na Bélgica, na Síria e no Iraque – apicultores acostumados a perder 10% da população de abelhas em determinados períodos do ano se viram, do dia para a noite, sem 90% do total. Ficou claro nesse momento que um fenômeno de longo prazo tinha se acelerado e muito; Portugal,por exemplo, contabilizou a perda de 3,5 milhões de abelhas em três anos; a Espanha, de 9 milhões.

Nos Estados Unidos, havia 5 milhões de colmeias em 1950 e só metade disso nos primeiros anos deste século. Na Europa, pelo menos quatro espécies pujantes há seis décadas estão extintas – em alguns países do Velho Continente, nada menos do que 13 espécies desapareceram.

O fenômeno também é observado no Brasil, ainda que, aparentemente, em menor escala (os estudos sobre o assunto são localizados, mas não existem estimativas da situação em todo o País). As abelhas estão sumindo em vários municípios do interior de São Paulo – em Brotas, o Instituto Biológico de São Paulo tenta entender o fenômeno com análises sobre a água da região. De um raio de 300 quilômetros em torno da cidade de Rio Claro, outro importante centro de apicultura, sumiram 6 mil colmeias só nos últimos dois anos. Na região Sul, onde esses insetos foram introduzidos pela primeira vez em território nacional, a importante abelha Mamangava está extinta no Paraná, onde era muito comum 20 anos atrás, e corre sério risco em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. No Espírito Santo, a espécie Mandaçaia é residual perto do que era há 15 anos. Assim como no território capixaba, no Nordeste o desmatamento causa um ciclo vicioso: o ataque à Caatinga, um dos biomas mais ameaçados do Brasil, causou a redução do número de abelhas; e isso, por sua vez, dificulta a recuperação da fauna e da flora locais.”

Os números
  • 70% da produção agrícola depende da polinização das abelhas;
  • 80% do meio ambiente vegetal é fecundado por elas;
  • Só nos Estados Unidos, esses insetos rendem 14 bilhões de dólares;
  • No mundo, a agricultura perderia 153 bilhões de euros por ano se não existissem abelhas;
  • Existem 20 mil espécies conhecidas no mundo e cerca de 1000 no Brasil;
  • Oito principais culturas do Brasil (melão, maçã, maracujá, caju, café, laranja, soja e algodão) dependem das abelhas. Somadas, elas geram 9,3 bilhões de dólares para o País.
Causas
O que está acontecendo com as abelhas? Os biólogos apresentam algumas explicações, a maioria diretamente ligada ao impacto do ser humano sobre o meio ambiente. “Esses animais são muito sensíveis a variações no ecossistema”, explica Osmar Malaspin, professor e pesquisador do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp).


“Os apicultores estão acostumados a períodos de desaparecimento de abelhas em épocas de seca, quando a comida dos insetos fica mais escassa. Mas a queda preocupante que estamos observando tem outras causas, como a aplicação de grandes quantidades de inseticida e o desmatamento”. Nas regiões de carvoaria, por exemplo, a queima de árvores leva consigo grandes colmeias. A derrubada de árvores, seja para a instalação de pastos e fazendas na Amazônia ou para a criação de novos bairros em Curitiba (onde a população saltou de 300 mil em 1960 para os atuais 1,8 milhão de pessoas) também interfere. O aquecimento global é mais um ponto citado: áreas onde foram registrados aumentos de temperatura experimentaram a diminuição brusca na população das espécies mais sensíveis ao calor – caso da mamangava. E até mesmo os celulares podem assumir uma parcela da culpa: dois pesquisadores da Universidade Chandigarh’s Punjab, da Índia, comprovaram que a rede de telefonia móvel interfere no senso de navegação dos insetos.


Outra causa está nas epidemias que atingem essas populações de tempos em tempos. Em 1987, o ácaro Varroa acabou com milhares de colmeias nosEstados Unidos, na Europa e no Brasil. Acredita-se que o surto de 2007 foi causado pelo mesmo problema, batizado de “aids das abelhas” porque aumenta a propensão a adquirir uma vasta gama de outras doenças, que se acumulam e dizimam populações inteiras. “Quando as condições ambientais são desfavoráveis, esses grupos de animais têm dificuldade em repor os integrantes perdidos”, diz Malaspin.


Pesticidas, aquecimento global e desmatamento irrefreável são responsáveis pelo extermínio de colmeias no mundo todo.
Um congresso de 10 mil cientistas e apicultores, reunidos na França em 2009, concluiu que todas as causas estão relacionadas, e começam com o ser humano.


Intoxicadas aos poucos pela forte concentração de pesticidas encontradas nas flores, as abelhas não se defendem mais com a mesma eficácia de vírus, fungos e parasitas. Tampouco se recuperam com a antiga facilidade de situações de epidemia, seca ou aumento de temperatura. Essa somatória de causasquebra um delicado equilíbrio: para ser eficiente, a polinização depende da forma da flor; do volume de açúcar do néctar; do horário de secreção do néctar ou da liberação de pólen e da vida útil dos óvulos.
Não é difícil imaginar de quantas maneiras diferentes o ser humano vem interferindo nesse processo.

Impacto
Se Albert Einstein levava tão a sério o impacto de nossos pequenos parceiros na agricultura, é porque as abelhas têm um papel importantíssimo na reprodução de plantas, flores e frutos. Elas são os mais importantes polinizadores da natureza. Sem esse processo, os frutos e as sementes simplesmente não se formam, a reprodução é bloqueada. Em pouco tempo, somem as plantas. As próximas vítimas são os animais – incluindo aí os seres humanos – que dependem delas para se alimentar e viver.


A agricultura poderia não acabar, mas o mundo experimentaria a diminuição do tamanho das plantações e da variedade de produtos (algumas plantas, como a da castanha-do-pará (hoje conhecida por castanha-do-Brasil), só se reproduzem com a ajuda de uma espécie específica de abelhas e o encarecimento absurdo dos preços num planeta que, em 2050, vai ter mais de 9 bilhões de habitantes.


Na região chinesa de Sichuan, por exemplo, a crise de três anos atrás levou os agricultores a polinizar as frutas manualmente, uma a uma. O custo da feira disparou para a população local.


Nos EUA, agricultores chegam a alugar colmeias para polinizar a lavoura e, assim, manter o ritmo de produção de alimentos


A maior parte da Europa teria de importar tomates. Lá, eles são criados em estufas, onde a polinização só ocorre com a introdução de abelhas. Nos Estados Unidos, os apicultores alugam 2 milhões de colmeias para polinização da lavoura. Levas e levas de insetos são deslocados pelo país de acordo com a época de floração de cada plantação. A produção de mel já é menos importante, financeiramente, do que esse trabalho. Só as lavouras de amêndoa da Califórnia, responsáveis por 80% da produção mundial, necessitam de 1,4 milhão de colmeias. “Sem as abelhas, seria muitodifícil manter o ritmo de produção dos alimentos que sobrassem no planeta”, diz Gabriel Rodrigues de Melo, zoólogo da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

De acordo com as nutricionistas Valéria Paschoal e Andréia Naves, autoras do estudo “Abelhas e o impacto na nutrição”, a produção de alimentos fundamentais para a população brasileira está seriamente ameaçada. “Pode faltar em nossas mesas culturas amplamente utilizadas na culinária, como laranja, maracujá, tomate, abacate e café”, explica Andréia.


“E a falta desses alimentos certamente afetaria a qualidade de vida da população, já que são ricos em vitaminas, minerais, fibras e compostos bioativos que auxiliam o equilíbrio e manutenção da saúde”, complementa Valéria.

Soluções
Como resolver o problema antes que as abelhas desapareçam de vez? Para evitar o problema das epidemias, pesquisadores espanhóis de Córdoba trabalham no desenvolvimento de uma superabelha, com rainhas ganhando mutações que as tornam mais resistentes.

O trabalho é polêmico porque uma espécie reforçada pode desequilibrar seriamente o ecossistema.

Outra alternativa, que será considerada nos países desenvolvidos e também no Brasil (somos um dos líderes da Iniciativa Internacional dos Polinizadores) é apostar no incentivo aos apicultores, para que eles monitorem mais de perto as abelhas e busquem alternativas a problemas como a falta de alimento.

Nas regiões de cerrado do Centro-Oeste, um farelo ultrafino feito de soja, milho e trigo tem ajudado aminimizar a perda de abelhas.

Fonte: • Revista Nutrir - Outubro/2010 Revista Nutrir - Outubro/2010 •

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